22.3.05

Deixem-nos sonhar! - A armada de ébano

‘ Vestidos com as suas peles de leopardo, pegaram nas fisgas e aí foram eles deitar fora a garrafa de coca-cola’
Férenc 3:81


A imprevisibilidade é, sem dúvida, um dos factores que mais atrai no futebol. A atracçao do inesperado, o sedutor charme do inadvertido. A incerteza do resultado de um jogo; a dúvida de se um Vítor Urbano estará a olhar prá defesa ou a antecipar já o contra-ataque; a imprevisibilidade de jogadores como um Pingo do qual nunca se sabe se sai rata ao adversário ou uma desmarcaçao geométrica para o Mike Walsh, de um Chico Faria que nunca se sabe se atira fora ou nem sequer atira, de um Jorge Soares que nunca se sabe quando dá a monumental fífia ou entra directamente á tíbia do adversário, de um Mielcarski que nunca se sabe se próxima vez será uma rotura nos ligamentos ou um estiramento da coxa; E principalmente, a ténue probabilidade teórica de poder haver sempre alguém que corrompa uma homogeneidade instituída – a imprevisibilidade das equipas surpresa, os outsiders.

O outsider é o derradeiro bastiao do romantismo no futebol: O clube que mais ou menos inesperadamente se vê envolvido em objectivos que nao sao inicialmente os seus e que vai tentar ridicularizar os candidatos nos confrontos directos em casa. Tipo ‘self-made man’ nascido do pouco, edificado sobre o seu próprio orgulho e que vai madurando na sua própria humildade. O povo simpatiza com os que se galvanizam e sao capazes de fazer tremer o monopólio capitalista dos soberanos, aqueles que materializam o sonho de que até os Vados podem marcar golos de cabeça. E como paga, o povo trata de criar um míto, que pulula no imaginário popular, deixando o tempo polvilhar com o fermento da nostalgia até se tornar num fenómeno inflamado de dimensoes mais o menos épicas. Alguns destes mítos devíam ser estudados nas aulas de História logo desde o ciclo: O Tirsense de Marcelo, Giovanella e Caetano; o Espinho de Pingo, N’kongolo e Zezé Gomes; o Chaves de Radi, Slavkov e Garrido ou o Portimonense de Cadorin, Nivaldo e Barao. Hoje ficamo-nos pelo Vit. Guimaraes de N’Dinga, N’kama e Basaúla.

Municipal de Guimaraes, 1986. Numa manobra arriscada, o audaz Presidente Machado investe numa pequena revoluçao de uma equipa que, para além de ter ficado no quarto lugar no campeonato anterior, tinha também Bobó. Como sabemos, nao é fácil um homem tomar a decisao de nao querer um Bobó ( desculpem, nao resisti á piada fácil), um Gregório Freixo ou um Teixeirinha. Mas o Presidente Machado estava em noite sim e desata como um louco a contratar homens que fizeram história e marcaram uma geraçao em Guimaraes. Muitos notários quando abriam as portas na segunda-feira tinham filas de pais para registrar os filhos com o nome de Ademir e Nené. Mesmo que fossem meninas. Mas a verdadeira loucura chegou com o grito da hiena, quando o Presidente Machado abre os portoes para um grupo de guerreiros que nos pés traziam as lanças para caçar os sonhos das gentes da terra e na boca uma catrefada de dentes. Algumas más-linguas ignorantes chegaram a difamar que se tratavam dos novos capangas do Presidente Machado, mas eram N’Dinga, N’Kama e Basaula, a armada de ébano. E ao primeiro toque no treino viu-se que tinham algo mais para dar que enxertos de porrada pelas boites de Amarante.

Estas pérolas encaixavam como rodas dentadas na mecânica do extrovertido Peres, um universo de corpos distintos mas complementares, onde, todos juntos, criavam uma harmonia celestial. Onde havía um mágico Ademir, havía um sólido Costeado. Um cerebral Adao era compensado por um irreverente Miguel. Para o matador Cascavel estava um Jesús mais ou menos de ferro. E aquí faço um parentesís: Tenho para mim a teoria ainda nao totalmente desenvolvida, de que Jesus, o Astérix e Meszaros eram o mesmo jogador. Reparai que nunca foram visto lado a lado e o facto de jogarem os dois, um em cada baliza, quando as suas equipas se confrontavam deve-se, obviamente, á sua capacidade de omnipresença. Mas é só uma teoria. Adiante.

E onde entravam as feras africanas? Umas de início, outras durante o jogo. N’Dinga era um cao de caça. Na sua terra antes de jogar á bola devía ter sido fumeiro de folhas de milho ou algo pelo estilo, tal o seu á vontade para secar os adversários. Ainda que o seu raio de acçao no meio campo se limitava á bolinha no centro onde se poe a bola para começar o jogo, precursor do estilo minimalista de Michael Thomas e Paulo Almeida, N’Dinga impôs-se como verdadeiro soba pela capacidade de liderança. Enfiava o seu chapelinho com corninhos e missangas e toda a gente obedecia, enfitiçados pelo seu ‘Ué-lé-lé’ de comando.

Basaúla, pelo contrário, possuía toda a rebeldía e descaramento de um madjé das ruas de Kinshasa. Um gingao de pernas fininhas, o prazer da liberdade no corpo e o atrevimento na ponta da bota. Basaúla, se motivado, empolgava a multidao, engatava todo o estádio e era irresistível para os adversários. Para no jogo seguinte parecer que tinha passado a noite toda nas putas e levado um enxerto de porrada do porteiro. Que, por sinal até podía ser N´Kama...

N´Kama. Ainda hoje estará para descobrir, tal como os adeptos do Guimaraes e todos nós, em que posiçao jogava. E que mais dava? N´Kama era um todo-terreno formidável, que parecía até estar mais confortável a jogar no terreno do Crosse das Amendoeiras em flôr. Os seus pés eram capazes de transformar um passo de kizomba em fandango, mas a sua força fazía uma pegada de caras parecer um lavai-ai. N´Kama era um tanque de coragem e dedicaçao, brio e suor. E chega...

A verdade é que a armada de ébano de Guimaraes, tal como o resto da equipa, marcou uma época. Mas teve o mérito de, p or um lado, escancarar definitivamente os portoes para o exótico, mas deslumbrante e rico filao africano, por onde chegaram magníficos adornos para o nosso campeonato como Mangonga, Makukula Pai, Kipulu, Vata ou Lufemba. Por outro, a personalidade de N’Dinga, o 'yo' de Basaúla e a robustez de N'Kama deram a consistência e o toque de originalidade e acentuaram o brilhantismo de uma equipa que chegou a sonhar com o título, fez furor na Taça Uefa, deixou as gentes da terra a fazer claques como coelhos e o Afonso Henriques a querer voltar a dar porrada á mae. Foi pouco? Bem, é que o Presidente Machado já tinha gasto tudo em luvas com o N’Dinga...

17.3.05

Uma Frase do Mestre II

‘Aprende a falar, Edite Estrela!‘
Ferenc 1.85

Num Portugal- Ucrânia:
"Que grande golo! O público rejubila e canta... Que maravilhoso espectáculo... Podem-me acusar de ser um patrioteiro barato, mas eu estou-me marimbando!".

José Nicolau de Melo

Mestre, também eu canto, rejubilo e tenho orgulho de TÚ!

14.3.05

Carta ao Rei da Espanha

‘ Renegados aqueles que só jogam em contençao e ainda assim perdem’
Ferenc 4.82


‘A V. Alteza Real
O Rei da Espanha

Majestade,

Solicito o V. perdao pela ousadia de nos dirigirmos a Vós. Rogamos, no entanto, que nos conceda o privilégio de continuar a ler esta missiva.

Vimos por este meio, V. Majestade, suplicar que aceite o Sr. Luis Campos, treinador de futebol do Beira-Mar e normalmente do Gil Vicente, como nossa humilde oferenda. Reconhecemos que o V. magnífico País dispoe de todas as infra-estructuras, principalmente morais, para que este excelso exemplar de treinador de futebol da nova geraçao possa demonstrar todas as suas amplas qualidades e traduzi-las em méritos desportivos de (ainda mais) orgulho próprio.

Esta nossa oferta deve-se ao facto de, em Portugal, nao existir nenhum clube capaz de oferecer ao Sr. Campos uma carreira digna e permanente na primeira divisao, tal como o seu trajecto profissional demonstra. Nenhum dos 294 clubes que treinou se esforça por e permanecer na primeira divisao enquanto ele anda por lá. E isto é desagradável para ele, porque nao lhe fazem a vontade e absolutamente desgastante para o seu ego. Diria até que parece que os clubes fazem de propósito.

Também nao existe nenhum jogador que compreenda a sua elevada cultura táctica, pois como publicamente reconhece o próprio Sr. Campos após cada derrota, a sua equipa nunca é capaz de seguir e reproduzir em campo as suas instruçoes. E aí nao existe, como bem compreende V. Majestade, nunca nenhuma responsabilidade do treinador.

O próprio reconhece as suas elevadas competências e qualidades de estratega e líder. Um vencedor nato, imprescindível a qualquer equipa com ansias de vitórias. Infelizmente, em Portugal, nao existem equipas assim, que desejem ver materializadas em vitórias o esforço da dura gestao de recursos mínimos. Nem tao pouco de entender e aceitar os méritos de um prendado orador, capaz de desbravar incansávelmente durante horas, os rudes caminhos da dialéctica e da retórica, com eloquentes discursos sobre ele próprio e as suas qualidades.

Nao se permita, V. Majestade, ludibriar pela sua estatura. Luis Campos é sem dúvida pequenino. Até no alto do seu metro e meio. No entanto, garantimos que cresce alguns metros quando se empoleira nos tacoes da sua auto-estima.

Deste modo, V. Majestade, estamos diante de um homem de, e segundo opiniao do próprio, inegável mérito, pelo qual merece ter uma oportunidade de jeito, já que nas inúmeras que até agora tem tido apenas tem demonstrado uma constrangedora inépcia, inversamente proporcional ao alto reconhecimento que tem ele tem de si mesmo.

Sabendo que nenhum ser humano pode ter-se em tao boa conta sem ter aparentemente nenhuma razao para tal, chegamos á conclusao que o Sr. Campos está a ser prejudicado por viver neste País onde é o seu génio é incompreendido e as suas aspiraçoes limitadas.

Uma vez que já tiveram a amabilidade de receber o Calado, o Edgar e o Joao Manuel Pinto, creemos que gostará ao acolhedor e hospitaleiro povo espanhol receber o Sr. Campos, o qual poderá finalmente provar o seu potencial a gentes que sejam capazes de o reconhecer, para além dele próprio e quiçá, da sua mae.

Estamos conscientes do valor desta nossa oferenda. Mas fazemo-la ao reino de Espanha, de coraçao aberto e como mostra da afinidade e amizade que existe entre os nosso países. No entanto, para que nao se sinta, V. Majestade, em dívida para conosco, estamos inclusivamente dispostos a trocar o Sr. Luis Campos pela Elsa Pataky, ou em alternativa, por um torrao de Alicante.

Fazemos votos da Vossa boa vontade e da V. contribuiçao para que, de uma forma definitiva, todos os portugueses possam reconhecer a V. Magnanimidade e esquecermos aquela história de Olivença.

Meszaros, o Huno’

4.3.05

A táctica do Pirilau

‘Encosta!... Corta!... Mete o pé!... Ganha!... Poe o rímel!... Chuta!...’
Férenc 01.87

Com mais de 100 anos despertando emoçoes e reflexoes de milhoes de pessoas em todo o Mundo, é costume dizer-se que no futebol já está tudo inventado e que a evoluçao se regista muito mais a nível das novas metodologias de treino nos atletas e dos seus efeitos a nível físico do que a nível técnico e, principalmente táctico.

Na minha modesta opiniao, acho que aparece sempre um gajo qualquer, nao se sabe muito bem donde, a querer estragar as filosofias dos estudiosos e a mandar todas a teorias pro galheiro. A inovaçao pode ser um gesto de prepotência, que esconde o prazer pelo risco de um visionário seguro, o brilho de um génio. Mas normalmente nao é mais do que um acto de soberbos imbecis ou a ignorância absoluta de profundos incompetentes.

Acredito fielmente que, a nível táctico, o futebol actual evolui e adapta-se, mas nada nele se inventa. E sou um homem feliz por só agora ter oportunidade de escrever esta frase. Porque se o tivesse feito há uns anos talvez o Paulo Autuori nao se tivesse dado ao trabalho de inventar uma das tácticas mais impotentes e patéticas da história: Senhoras e Senhores, apresento-vos, pelo Sr. Paulo Autuori, a táctica do Pirilau. E agora os meninos vao prá caminha.

Colombo, 1996. Ainda em precoce estado de convalescença por excesso de Artur Jorge no sangue, a equipa do Colombo, em evidente estado de catatonia, estava urgindo uma enxorrada de estímulo novo que a pudesse tirar daquele marasmo animicó-espiritualó-futebolístico. Sem sexismos, mas a equipa fazia lembrar uma miúda dependente do seu namorado a quem, pensando que tinha ali um ganda homem, tinha entregado totalmente a alma ao ponto de trocar 4 jogadores por um Luiz Gustavo, e que de um momento para o outro se viu abandonada, perdida, sem referente emocional, sem porto de abrigo. Uma miúda agora extremamente susceptível a todos os engatatoes que dizem é gira e boa só para ela ficar toda convencida e ser mais fácil mandar-lhe uma foda.

Depois do limpa-chaminés Toni ter falhado, o samaritano Autuori assume o seu papel de tutor, tentando devolver a dignidade a esta donzela rejeitada e humilhada pelo farsante. Mas depressa se apercebe que a donzela nao é virtuosa como tentam fazer crer: Nao é a mais prendada, a mais formosa, a mais delicada, a de melhores maneiras nem a de melhores famílias. A donzela, ao contrário do que todos tentavam fazer crer, nao tem as qualidades para se impôr na dura, competitiva e cruel sociedade que é o futebol português. Autuori, nao tanto por arrogância nem por incompetência, mas por falta de opçoes, vê-se obrigado a improvisar: Assim, como hábil cirurgiao, constrói no seu laboratório uma inovadora táctica que espera que funcione como um Prozac e que a eleve do estado de depressao que a absorvia. Desta forma, tenta inserir-lhe um mecanismo assente numa defesa tradicional de 4 elementos e posteriormente numa bichinha indiana pelo centro do relvado até ao ataque. Esta táctica, inicialmente prevista para ser um prozac, revelou-se afinal um viagra pequenino e azul bebé. Ao seu 4x2x2x2 chamou-lhe o mesmo Autuori, a Táctica do Pirilau.

O modelo táctico, sem jogadores pelas bandas a partir de uma defesa atrasada, residia fundamentalmente pelo domínio do corredor central do terreno, em binómios paralelos de jogadores, do meio campo até ao ataque. Assim, normalmente, no olho do cú estava Preu’Homme, que fazia o que podía para tentar manter a sua dignidade inviolada. Os testículos, retraídos e pouco oscilantes, eram Marinho e Dimas (por vezes Kennedy), ao lado de um escroto viril mas pouco flexivel como era Helder e Bermudez, o que nao naturalmente nao dá maleabilidade suficiente a nada. Jamir e Bruno Caires e Valdo e Panduru eram um tronco flácido, pouco robusto e bastante curtinho, que raramente conseguia uma penetraçao poderosa e magnífica de fazer engasgar a defesa contrária. A glande Joao Pinto, embora insuficiente, era o elemento mais sensível de toda a estrutura fálicó-táctica e o que algum prazer provocava, mas Hassan, como buraquinho do mijo, era tao inconstante que, ora ejaculando precocemente ora sofrendo de frigidez, nao era capaz de assegurar o clímax desejado, como tantas vezes tinha feito ao serviço do Farense.

A táctica do Pirilau revelou-se finalmente uma revoluçao genitálica pouco viril e fundamentalmente estéril, uma vez que nao se adaptou á natureza essencial da equipa. Para justificar em parte a impotência da táctica do pirilau é importante nao esquecer essa natureza frágil e feminina de uma equipa com pouco amor próprio, abandonada e rejeitada, enxovalhada e escarnecida. Por isso este conceito táctico parecía forçado, anti-natura.

Na verdade, a cirurgia de Autuori tornou a equipa transsexuada, como uma mulher a quem foi colocado um ostensivo falo pouco convincente para enganar algum desprevenido. A equipa de Autuori tornou-se uma gaja com pila. Mas por ser gaja, nao a sabía usar. Autuori, pelos vistos, também nao a soube ensinar muito bem. Deixo-vos com esta reflexao...