8.2.05

O boxe-to-boxe

‘Posso ter ficado sem dentes, mas preguei-te uma rabeta.’
Férenc 11.11


Pode-se dizer que o Brasil está para o futebol português como a brasileira para o jogador português: Há alternativas, mas ninguém resiste á forma como fazem levantar o estádio.

Essa tradiçao mantém-se pela reputaçao dos profissionais que até cá têm chegado: Desde o Xerife Moisés de Andrade até á Paula, muitos deixaram a sua marca por cá. Um, no entanto, deixou-a nao só nos relvados como também bem selada nos corpos dos seus adversários. Na verdade é que podiam ser muitos, mas referimo-nos a um jogador em particular, que juntava o génio de um Marlon Alves com a delicadeza súbtil de um Tanta, a energia inesgotável de um Emerson com a raça acérrima de um Milton Mendes, a classe de um Pingo com o temperamento de um Donizete. Desta mistura explosiva e de meias puxadas para baixo, saiu Douglas.

Saiu do Brasil e aterrou em Alvalade para se instalar no meio campo e fazer história por todo o relvado. A sua natureza indomável nao lhe permitia resumir-se a uma determinada zona do terreno. No miolo iniciava o jogo, aí começava a sua luta, mas depois expandia-se: Onde havía uma bola por disputar ou uma canela que morder, aí estava Douglas, qual Macgyver, com o seu canivete suiço na ponta dos pitons, a desenrascar qualquer situaçao.

O seu carácter combativo levava-o a discutir com os seus treinadores por se recusar usar caneleiras, essas mariquices, tanto em jogos como em treinos. Na verdade, que maior estimulante existe para uma líbido futebolística que sentir o osso no osso, o adversário no chao e nós de pé, a driblar o seguinte, numa rata arrogante, mas sublime e seguirmos altivos em direcçao á baliza? Ou regressar para o baneário, com a camisola manchada de sangue e um dente agarrado ao cotovelo, orgulhosos por nao termos vacilado? E é nestes momentos, que o futebol se individualiza: ‘Sim, sou macho. Agarra-me a camisola, faz-me uma gravata, dá-me um chuto, enterra-me o piton no gémeo, abre-me o sobrolho. Faz-me o que quiseres, desde que quem fique com a bola seja eu.’ A vitória suprema do orgulho másculo. E no momento seguinte passas pelo adversário, olhas-lhe nos olhos enquanto sopras uma ranhada com as costas do dedo na outra narina: ‘És um merdas, quem nem consegues mandar um gajo ao chao’.

E Douglas, em passinhos pequeninos, meias em baixo e caneleiras lá no cacifo, enquanto puxava um braço ou lhe faziam uma tesoura, seguía num vai-vem imparável, ora matando ataques do adversário, ora assistindo o Bi-bota; ora ajudando o Duílio que se ficava nas covas ou subindo para marcar um genial golo de calcanhar. Douglas estava lá, nunca recusando uma luta, numa omnipresencia assustadora de rufia de viela, com a naifa na peúga, sempre pronto para uma richa de rua. E tal como a um moleque de favela apanhado numa rusga, a Douglas também lhe tiraram a liberdade quando as novas regras lhe obrigaram a usar as caneleiras nos jogos. As regras, a prisao dos homens-livres. Que mais iriam fazer? Mostrar cartoes amarelos nas entradas por trás? Proibir os socos nos pulmoes nos pontapés de canto? Ah? E chorei contigo, Douglas. Porque tal como tu adivinhava a castraçao das raízes do genuíno jogador da bola, o futebol de rua. Por ti Douglas, o ultimo dos rufias.

11 comments:

Anonymous said...

grd site...tá excelente. e quanto ao bigode do Minervino, apetece-me usar uma expressão típica tão do meu agrado : "Não há pai, catano."

um bem haja

http://cromos_da_bola.blogspot.com/

Anonymous said...

Ferenc Amor, quero ser anónimo, como o Ferrari das fotografias ou o Jardel no Newell´s Old Boys.Por isso não me moias.Depois se falas do Douglas, tens de falar no Silas, tipo Yin-Yang.E para quando um Blog sobre aquele grande jogador conhecido por "Irmão do Ronaldinho Gaucho".Fez mais pelo Sporting que o Santana e o Kmet juntos...
Também quero um blog sobre o melhor scout de sempre do futebol português...o Sousa Cintra.Pode-se chamar o Olheiro-Mor,sub-titulo Vai uma Cervejinha ou Jovems Par O Sportem.Se não acederes a estes pedidos levanto-te um processo sumaríssimo caté te fodes.Vou jogar Pro Evolution a ver se acalmo.Beijocas.Mundiallllllll!!!

Anonymous said...

excelente o retrato de douglas..um dos melhores jogadores que vi jogar.
para variar no sporting foi muito criticado..mas era um excelente todo o terreno tendo uma técnica e inteligência muito acima .
não era um trinco..era um volante virtuoso...
grande jogador foi capitão da seleção do brasil.
site muto cool...
bom trabalho

Admiraavaca said...

Gostei bastante deste post. Faz uma pequena e justa homenagem a um dos grandes centro-campistas que passaram por Alvalade. Fez parte daquela grande equipa que chegou às meias-finais da Uefa e que não tendo ganho nada, deslumbrou com o futebol de ataque praticado.

É a primeira vez que leio este blog mas confesso que fiquei assiduo, tás de parabéns man.
Convido-te também para dares uma olhadela no http://algarve-desunited.blogspot.com e participares, juntando-te ao grupo de amigos que dele fazem parte, quer dando o seu contributo colocando posts quer comentando-os.

Continua o excelente trabalho que estás a fazer ao homenagear (porque de qualquer modo é o que estás a fazer neste blog) o passado recente do futebol lusitano, recordando aqueles que dele fizeram parte e que grandes tardes (porque eram de tardes de futebol que se tratavam) que nos proporcionaram quer nos estádios, quer com os ouvidos colados aos relatos do Ribeiro Cristovão, do Alves dos Santos, do Pedro Azevedo ou do José Isaac Pereira, entre outros.

melga mike said...

Eu sabia que o casinosalzburgvaca ia se emocionar com este post, daí o ter referenciado (http://algarve-desunited.blogspot.com/2005/02/leitura-obloguitatlia.html).

Juntando leite à fervura, devo dizer que como benfiquista oDouglas deve ter sido o primeiro jogador que invejei ao ceportem (depois foi o Balakov, naquela única boa estirada de Jorge de Brito... ou terá sido o descansado do João Santos?), e que o Silas era uma bosta, muita parra e pouca uva.

Ah, e o Douglas agora é "fazendeiro" em Minas Gerais e tem pra lá uma cadeia de lojas não sei do quê, que são assim tipo algumas largas dezenas.

Férenc Meszaros said...

O Silas tinha futebol para dar e parir mas era uma vedeta e era isso que o enterrava. O Douglas batia-o aos pontos pela humildade.

Mike, nao te esqueças do Stan Valckx (vénia); AdmiraaVaca, nao te esqueças do Sansao Coelho.

melga mike said...

O mal do irmão do Paulo Pereira (isso só não é motivo para não se levar um gajo a sério?) era, segundo um colega de escola brazuca, ter a escola sãopaulina, que previligiava o domínio da bola no pé, mas relegava o chute para remate ou centro para segundo plano no aperfeiçoamento tenico. Ou seja, os mullers da vida. Bons di bola, mas fracos de coice.

E... o valcx? calmex aí... se é para esse género de genes quero o gary mabbut e o colin hendry. Ou chega-me o Sérgio Marquês.

Férenc Meszaros said...

Mike, tenho que reconhecer que com a do Sergio Marquês tive que chamar a maca. Mas nao posso aceitar essas comparaçoes tao brutais como a entrada do Acácio ao joelho do Paulo Ribeiro. Se comparas o Valckx ao Mabbutt e ao C.Hendry (nao negando os seus méritos), é o mesmo que comparares um Martin Keown a um Vinnie Jones (pré-Hollywood), um Signori a um Padovano, um Manniche (o original) a um Mac Donald! Certo que nao era subtil e engomadinho como o Luisinho ou o Ricardo Gomes, mas é inegável que foi um dos melhores centrais que jogou no futebol portugues.

Anonymous said...

o Douglas era grande. um excelente jogador

melga mike said...

Como diria o João Pereira Coutinho (que se transferiu do indy, e que quase me faz ter vontade de comprar o expresso), essa adoração pelo Stan "nem sequer indiscutivel da Selecção Holandesa" Valcx assume contornos homo-eroticos, verdadeiramente.

A alusão ao Sérgio Marquês foi o exemplo mais perto de casa que arranjei, pois agora é "capitão" do Olhanense e é "dentre do genere". Konow What I mean? Não é como que se eu estivesse a dizer que o homem que deu um belo milhaço ao JVP num jogo -treino mereça ir à Selecção... mas apenas relembro que, com a idade dele, o Costinha jogava no Oriental ou no Machico e hoje apesar de ter a idade dos figos & rui costas ninguém lhe cobra a retirada à la jorge costa. Did I made myself clio?

melga mike said...

Ou seja, eu até vejo mais o Valcx como trinco do que como central, daí ter ido buscar o nosso Sérgio. Espero que tenham percebido a alusão à faceta "dá para os dois lados" do compatriota do Floris Schaap: Gary Mabbut (mais pró trinco) e Colin Henry (centrla todes dias). As referencias a lendas do futebol britanico também não foram despropositadas, foram para endurecer a imagem mental. As in "Yes... harder... harder... oh, peixoto és o meu césar, faz de mim a tua cleópatra das balizas..."