3.8.05

O Rita Villas-Boas

‘Cola-te aos centrais, segura a bola e tabela com o que entra. Se não consegues, pronto, canta a ‘Telepatia’’.
Férenc 8.28

O Miguel Bruno não é um histórico do futebol. E se algum dia o seu nome ficar gravado nos anais do futebol português é mais certo que seja por razões de nobreza semelhantes á de Luis Campos do que por algum mérito que tenha alcançado. Mas o seu percurso como jogador da bola tem uma particularidade que nao merece ser ignorada e que o podia levar mesmo a estar mencionado em letras pequeninas nalguma contra-página de algum obscuro compêndio de curiosidades futebolísticas. Já lá vamos, já teremos tempo para nos espraiarmos sobre alguém que certamente prefere comer 10 quilinhos de carne de um restaurante chinês do que um bifinho de Alcatra.

Confesso que me enganei com este rapaz quando o vi jogar pela primeira vez. E logo duplamente:
- Uma, porque pensava que até podia ser bom jogador.
- Outra, porque pensei que aquela careca era moda.

Áparte de ter sido certamente devido a um momento de cegueira histérica que não reparei que a minha mãe tinha mudado de canal e que quem estava com a bola era um caniche branquinho, envergonha-me de todas as formas a falta de capacidade de dedução que tive no momento. E também por duas razões:

- Uma, pelo velho adágio popular que diz que juntar dois nomes próprios só fica bem nos cartazes da Festas da Rebordosa, ao lado da foto em que o artista sorridente, dentro da camisa vermelha de golas em bico, fechadas pela gargantilha de prata e com as mãos apoiadas sobre o acordeao, mostra um bocadito dos dentes num sorriso educado de pessoa de bem. Para um jogador de futebol, por razões que se desconhecem, ter dois nomes próprios, salvo raras excepções, nunca dá bom resultado e ainda menos se for avançado. Vide Pedro Miguel.
- A outra é porque ninguém com um pescoço tõo curto consegue ter a mínima noção de estética. Faz parte das leis do universo. Vide Pedro Miguel.

No entanto, da mesma forma que fui eu enganado, vários clubes de futebol também sofreram o mesmo fenómeno de cegueira histérica, o que não é necesariamente um consolo. E tão rápidamente como eu reconheceram o seu erro.

Miguel Bruno, seria provavelmente uma das figuras dos cartazes das Romarias da Senhora da Barrosca, onde seria recebido em apóteose pela multidao de 9 pessoas e 13 emigrantes prontas para ripar a tarde toda ao som do seu orgão Casio, em comboiozitos sem fim. Provavelmente até teria a sua própria vannette, com ‘Miguel Bruno – Artista Musical – Festas e Casamentos’ colado no vidro traseiro, na diagonal, com o número de contacto por baixo. Da TMN, claro. E com sorte ainda o vermelho das letras não estaria carcomido pelo sol. Provavelmente até o deixariam anunciar o lançamento dos foguetes. Quem sabe... Se tivesse tocado o ‘Anel de Noivado’, do Trio Odemira, talvez. Agora ser avançado, jogar entre os centrais, ou mesmo vagabundo descaindo para as alas, vir de trás ou jogar fixo, desequilibrar com um passe de morte, uma finta de corpo, fazer uma tabelinha á entrada da área ou até (Deus!) marcar um golo, pois, isso é que já é mais difícil para quem tem dois nomes próprios.

Por isso Miguel Bruno, como um Vitor Vieira inglório ou um Luis Campos dos 3/4 de terreno, saltimbancava em busca daquela equipa, daquela treinador, que conseguisse, por magia, perenizar alguma qualidade que o chegou a levar, igualmente de forma efémera, ás selecçoes nacionais. Mas depois os piques falhavam, a finta nao saía, o último passe não chegava ao ponta-de-lança. E uma vez mais Miguel Bruno arrumava a trouxa, pegava no ‘diablo’ e arrastava o rafeiro pela corda. Com a mesma esperança do mister que lhe dava um cacifo e acreditava que podia ser desta, Miguel Bruno pululava de terra em terra (como a famosa senhora do título saltava de barra paralela em barra paralela e de jogador do Sporting em jogador do Sporting), calcorreando tudo que fosse equipa que luta para não descer ou para subir, por vezes mais do que uma vez por época, acreditando que era mais do que um medíocre cantor de festas de aldeia que se tinha perdido.

Mas as suas alegrias no futebol foram também efémeras, tal como os momentos de prazer que proporcionava aos adeptos. E depois de ter mamado uns 12 clubes em 9 épocas de sénior e ter conquistado uma mão cheia de arrelias e convites da Brisa para a inauguração de mais um novo troço de auto-estrada, vamos todos fazer um favor ao homem e comprar-lhe uma camisa de cetim preto com os colarinhos bordeados a prateado. Pode ser que vá a tempo.